A Sinfonia acabou - João Gomes de Sá

  A Sinfonia acabou

Daquela mata tão bela
Vem a água que bebemos,
O alimento que comemos.
O canto do passarinho
De manhãzinha, cedinho:
- Bem-te-vi, meu Bem-te-vi!
Bem-te-vi, alguém daqui
te ama.
Lá distante,outro chama:
__ Vim-vim, canta, meu Vim-vim
O que é bom traga pra mim!
E nas margens lá do rio
Reverbera outro pio;
- Queria acordar você!
- Meu sapeca, Zabelê!
Tudo bem!
Enciumado o Tem-tem
Segura na percussão
Com o Sofrê e o Cancão.
O Colibri num bailado
Levemente espiralado
É regente com batuta
Levando o som para gruta
Do fundão.
Pintassilgo e Gavião
Sabiá e Coleirinha
Jesus-meu-deus, Andorinha
Entravam também na festa.
A cantiga da floresta,
Acordei hoje sem ela.
Será que foi esparrela, Alçapão?
- Não foi nada disso não!
Veja o fogo lá na mata!
Olhe, a água da cascata
Correndo de tanto medo!
Por isso que hoje cedo
Não tem canto na alvorada,
O coral da passarada
Calou.
- Então quem foi que botou
Esse infame fogaréu
E descoloriu meu céu?
Voa, voa, Gavião,
Jesus-meu-deus e Canção!
Onde está meu Zabelê,
O Pintassilgo, o Sofrê,
Andorinha?
Não vejo meu Coleirinha
Na copa da seringueira!
Colibri, não dê bandeira,
Saia já dessa fumaça!
Meu Tem-tem, não faça graça
Pernas para que te quero!
Hoje não tem quero, quero
Nem amanhã.
Aquela terra tão chã
Que Caminha descreveu
Nunca mais amanheceu
Como sempre todo dia.
Pereceu a sinfonia
Sem a menor assistência,
Mas a maior violência
Com a vida.

Autor: João Gomes de Sá


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