Bilhete - Cesar L. Theis

 Bilhete 


Batidas cadenciadas anunciam o adiantado da hora.

A mão tremula, e os dedos rigidamente curvados,

deslizam os últimos azedumes no branco do papel.

Singular entrecho que combina vida, tinta e morte.

E, da boca fumegante do revólver escara a bala,

o estampido ecoa ao infinito, levando a pobre alma.  

E o corpo se curva em um derradeiro movimento.

O sangue escorre da mesa, pingando compassado,

acompanha o rangido do antigo relógio de parede.

Os olhos vazios, um buraco na cabeça, o sangue,

há o sangue... acorrer contumaz sobre o mármore.

No bilhete, poucas palavras fazem a despedida.

Algumas linhas desamparadas de boa pontuação.

Feita a fria síntese semibreve de um existir solitário,

destes que se esquecerá antes mesmo do sétimo dia.

Afinal, nunca houve entrecho de romance na vida,

entre os tantos dias que o tempo lhe foi surrupiando.

E com tantas vidas que poderiam ser desperdiçadas,

entre tantas outras que poderia ter escolhido viver,

foi mesmo uma de razoável solidão a mais acertada.

Pois, morrer não pode ser diferente do que foi viver,

para uma alma abarcada de imorredouras ausências.

Assim finda o desditosa vida, amofinada pela solidão. 

Mas, no tempo de morte do esquálido corpo pouca

carne sobrou para os vermes degustarem.

Autor: Cesar L. Theis

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