Sónhos - Enrique Rosa

 Sónhos

"Sonhos são bons, a pior parte é acordar."

________

A mulher que dizia ser minha mãe, estava entediada, assim como o garoto de pele clara que se identificava como meu irmão.

De supetão, nos encontrávamos num museu, requintado, esnobe e indicando, numa placa cheia de luzes: MUSEU FAMILIAR DO DONO DA APPLE.

Via-me num traje arrogante, para lá de sofisticado. O mesmo estilo de vestuário para meu irmão e minha mãe.

Primeira sessão: carros em exposições, carros que nunca sonharia em comprar, carros feitos de ouro.

Segunda sessão: roupas íntimas, roupas deslumbrantes, roupas comuns, porém, custavam o par de olhos que tenho na cara.

Na mesma sessão, de lá para cá, de cá para lá, meus olhos varriam o lugar: pessoas que um dia conheci no colégio ocupavam todos os cantos, nos bancos, cadeiras, até no chão.

Dentre todas essas pessoas, lá no meio, rodeado por uma parcela da multidão, estava um antigo amor, um amor não recíproco.

Claro, presunçoso como sempre, meus pulmões se enchiam, deixando meu peito estufado: não de ar, de vergonha. Enquanto meus olhos pesavam, me tornando incapaz de simplesmente bater o olhar no que havia em minha frente.

Indiferente, meu interesse passava por todos os vestuários expostos, atentando a cada detalhe.

Até que enfim, decido ir embora, acompanhado da família.

Sem remorso, entretanto, triste. Triste por ter de relembrar todo aquele sofrimento silenciado, por eu mesmo, e sentir a necessidade de sustentar um tapa de realidade, muito dolorido, muito.

Todavia, ao passar da porta, quase pisando no azulejo que tiraria por completo minha coragem de voltar, socializar com as antigas amizades, reacender um amor que há muito tempo, foi marginalizado, sinto um toque acolhedor: quente igual a estar debaixo das cobertas e forte, que não me deixaria escapar, como se isso custasse uma vida, ou até mesmo a minha.

- Ei! - e lá estava ele.

- Ah, o-oi. - o meu amor, o meu antigo amor, o amor que foi brutalmente silenciado, que resultou inconsequentemente, num silêncio que cortava meus órgãos internos com cada palavra sufocada e ele nem sabia, simplesmente.

- Como vai?

- Bem, e você? Superou aquela depressão e aquela tristeza que sempre te dominava? - eu percebo o que digo, mas não é como se eu mesmo tivesse o controle da minha boca, da minha fala. Aparenta até ser o universo, me usando e abusando como uma marionete barata e quebrada.

- Ah... é. Me desculpa, sério. Eu era terrível naquela época, ainda mais com você. - culpa e arrependimento caem em suas costas e aparenta pesar, mais do que todo o sofrimento mundial.

- Okay... - meus olhos se enchem de desespero e temor, apesar, é bom saber que ele reconhece seus atos.

- Eu vim aqui para te dizer que... eu te amo. - vê-lo aqui arrumado e colorido, me obriga a comparar: no passado, era como se nuvens de depressão voassem a todo tempo, sobre sua cabeça e o único pensamento predominante em sua mente, suicídio. Vê-lo assim, sorridente e semelhante a um arco-íris, me faz querer chorar, orgulhoso. Aposto com todas as minhas fichas que o antigo ele nunca, nunca se vestiria assim. Assim como nunca me aceitaria. Ele vivia furioso com o mundo e consigo mesmo, e por parte do meu feitio, olhava  sempre o lado bom da vida, eu era feliz. Como os opostos poderiam se atrair desse jeito? Era quase que impossível. Eu me calava e ele se isolava. - Eu sempre te amei, desde aquela época! - apesar de que nós mudamos: o moço, bem mais eufórico do que usualmente, e eu, consideravelmente mais melancólico. Sinto, sinto realmente, imagino, creio, acredito que talvez, eventualmente, apenas porventura haja uma porcentagem mínima de dar verdadeiramente certo, aquilo que sempre almejei da minha paixão mais forte. - Eu estava cagando para o mundo e pensando em morrer demais, para reparar que todas as vezes que você sorria contente, meu estômago gelava e meu coração batia mais forte. Só depois que você foi embora, porque eu te abandonei, percebi que estava amando, amando você.

Isso é simplesmente um desaforo, um desaforo que me faz cambalear, feliz demais para conter as lágrimas antes criadas por desespero temor, que num passe de mágica, viraram de satisfação, simples assim.

- Ahn... Uhmmm... - fungo deliberadamente. - Me desculpe, eu tive minha culpa também: não fui corajoso o bastante para te contar ou simplesmente, demonstrar. - meramente, falo automaticamente, de novo, como se eu fosse controlado, como um brinquedo fajuto e sujo. Eu não paro, apenas prossigo, desesperado, enquanto ele, em seus olhos, especificamente, na pupila dilatada, iniciasse um forte clarão, mas ainda brando, expressando amor e esperança. - Mas saiba, saiba que eu também sempre te amei, sempre. Não te culpo por nada, simplesmente fiquei muito triste por saber que o que eu sentia nunca seria recíproco. Mas eu sempre te amei. Eu mudei porque te ameia paixão mais forte que já tive.

- Entendo... - ele observa atentamente cada detalhe do meu rosto: o bigode recém-cortado, a sobrancelha devidamente perfeita e escurecida, alguns pontos escuros de cravo, pele macia e clara, cuidada com pó-de-arroz. - Coma um cachorro-quente! - e como se magia existe, num simples abracadabra, uma mesa humilde, porém enfeitada e farturada, surge. Ele apanha um pequenino cachorro-quente, oferecendo-me e colcando-o em minha boca.

- As salsichas deles são bem pequenas! - ainda durante a mastigação, comento gargalhando levemente, enquanto ele, simplesmente me acompanha, sem cobrar ou pagar, simples assim. - Como essa mesa surgiu do nada?

Quando saio do estúpido devaneio, percebo-me onde ele mora, que estaria sendo minha morada também, entretanto, a moradia de seus amigos também e é isso que a torna tão acolhedora.

Abracadabra! E estamos em namoro há uma semana, nesse meio tempo, nós rimos, pude ter o prazer de desfrutar de suas amizades, todas incrivelmente memoráveis e gentis, saímos e nos divertimos, dormimos juntos, nos amamos carnalmente, também. Assim como pude lhe dar toda a minha afeição e fui recompensado com sua brandura.

- Sim, aquele cara é demais, porém nada me fará parar de te amar...

Descolo os olhos, eu acordo.

A cama que era tão vangloriada por maciez e quentura, não passava de uma simples pedra que me trazia dor nas costas e frio.

Apesar do sol atravessar sorrateiramente a frecha da janela que se encontrava aberta, aparentava tudo tão escuro e cruel.

Até minha cadelinha que ostentava vida e juventude, parecia tropeçar em cada passo que dara.

Ergo minha coluna, espreguiçando-me, entretanto, caio. Meus olhos pesam, minhas costas que tanto doem, pesam, tendo de apoiar com o cotovelo para não voltar ao coma.

Sem, simplesmente, conseguir erguer os olhos e fixar a visão, pelo menos na parede, acordo: tudo foi um sonho.

Só um sonho poderia ser tão bom, eis a explicação.

Eu poderia e chego a considerar em desesperar, mas sei que isso só me ajudaria a me matar mais ainda. Ajudar na defasagem de descobrir que aquele sonho era um sonho.

"Sonhamos sós e acordamos sós", tão trivial.

Sonhamos com o sonho de que um dia isso pare de ser realidade.

(sónhos)

_________________

"Qualquer semelhança com a realidade, não passa de mera coincidência."

Autor: Enrique Rosa


Esse poema está inscrito no Concurso RANKING POÉTICO Coletânea de poemas: www.bistrodomatuto.com/2021/10/concursoranking.html

Apoie as ações do BISTRÔ DO MATUTO : www.youtube.com/c/Bistr%C3%B4doMatuto

adquirindo nossos e-books:

www.amazon.com.br/s?k=lunas+de+carvalho+costa&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=2EODHU7UES8Q0&sprefix=lunas%2Caps%2C411&ref=nb_sb_ss_ts-doa-p_1_5

E nossos livros:

https://loja.uiclap.com/?s=lunas+de+carvalho+costa&post_type=product

Comentários

Postar um comentário