Tabacaria
Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Nas janelas do meu quarto, Do meu quarto de um dos milhões de universos, Daqueles que ninguém sabe quem sou ( E se soubessem, o que saberiam?),
Em caminhadas trilhadas constantemente por almas, Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
E das janelas, declamo minhas palavras:
Daltônicas tonalidades, sem brilho, sem vida
Passos sem destino,
Faces sem olhos
Vidas sem excitação,
Apenas mares de pernas, de cores e formas, em movimento contínuo
Sem rumo
Real, impossivelmente real, certa, incorretamente certa, Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres, Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Da verdade incólume Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E, da janela de meu aposento,
Ainda ninguém sabe quem sou
E se soubesse, existiria diferença?
E não tivesse mais irmandade com as coisas Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada De dentro da minha cabeça, E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e daquilo que acho que esqueci. Estou hoje dividido entre a lealdade que devo e, A Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
mas em suas entranhas há apenas lágrimas e fuligens
Do mesmo modo que ocorre de dentro da janela do meu quarto,
Falhei em tudo.
Como há de ser falha, se ainda não tentei? Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada. A aprendizagem que me deram, Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Ainda sem conhecer as almas.
Autora: BEATRIZ GEBRA MATTOS
Esse poema está inscrito no Concurso RANKING POÉTICO Coletânea de poemas: www.bistrodomatuto.com/2021/10/concursoranking.html
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